sexta-feira, 9 de abril de 2021

Eu quis dizer: um blog para salvar o mundo

O mundo é maior do que o nosso desejo de fazê-lo ser bom. O nosso desejo de fazer o mundo ser bom não é uma expressão legítima do mundo pedindo para se tornar bom, não é um pedido pela sua ajuda. 

Pela ideia da necessidade de ajudar o mundo nos colocamos em uma relação com ele, o mundo fica na posição de algo abandonado que precisa da nossa ajuda, de modo que assumimos a posição dos Salvadores. Essa ideia que também pode ser chamada de "boa intensão de salvar o mundo", o "pobre mundo abandonado", somente serve para esconder o legítimo medo de estar passivo ao mundo, de nele estar implicado, isto é, de inevitavelmente ser o motivo de, talvez, o mundo precisar de ajuda. A forma da "boa intenção" traduz esse medo de não poder fazer nada, em possibilidade de fazer tudo com a pouco sóbria intensão consciente de querer salvar o mundo. Portanto, a ação que procura salvar o mundo, e que só se justifica por ser bem intencionada, não é nada além do que uma forma de sair da posição do abandono, ou melhor, de negá-la, para assumir então uma posição de Salvador, do passivo em direção ao ativo.

Será que o mundo precisa mesmo da sua ajuda? Com tudo isso, eu ainda acho que sim, mas essa ajuda exige um legítimo aprendizado, caríssimo.

Aprender legitimamente é aprender depois. Não se trata de protelar o aprendizado igual fazem os ditos Salvadores que, apesar de saberem que o mundo é imenso, preferem acreditar que as boas intenções, o querer fazer ensina algo antes de pensar os efeitos objetivos da ação na imensidão do mundo. 

A lógica do aprendizado legítimo é que ele vem depois de queremos saber. Não é que jamais aprenderemos, mas que não aprenderemos quando queremos. O fato de não se saber algo não confirma que você nunca vai saber esse algo, apenas te coloca na pequena posição que você ocupa na verdadeira imensidão do mundo: a posição em que o seu sofrimento por não saber quando quer, não é o maior sofrimento do mundo. Essa é a parte difícil e legítima, permanecer nessa posição, encarar sua necessidade desumilde e tão menor de saber algo importante, de fazer algo importante.

Sabendo que o mundo importa mais que nosso desejo de fazê-lo bom, somente assim podemos ajudá-lo, nos dispondo no mais íntimo da nossa burrice, para ouvir o que, de fato, é necessário e aprender o que é importante. O que é importante você não sabe ainda, é necessário saber esperar e ouvir.

O tempo é chave da questão, o tempo de vida. Pois cada segundo que passa e você sente passar, só acontece pois o mundo existe e possibilita a você sentir isso. Sem fome, sem medo de morrer é fácil agradecê-lo por isso. Mas, em um mundo minúsculo como o nosso, na imensidão do espaço, onde conseguimos fazer com que uma minoria possa comer tudo o que quiser e uma maioria não ter nada o que comer, agradecer por estar vivo não é ser grato, é na verdade poder ignorar o verdadeiro peso da fome, o verdadeiro peso do mundo, que talvez nos permitiria pensar, em vez de sermos gratos pela vida, o quão melhor seria se não tivéssemos nascido.

Essa última conclusão é necessária e ela acontece em um espaço de tempo que não acaba no arrependimento. Há um outro momento para quem assumir sobriamente que o próprio sofrimento não é o maior sofrimento do mundo, que ele não é nada perto da própria imensa ignorância. Esse terceiro momento vem depois de conseguirmos encarar o abandono não mais como Salvadores; depois de termos coragem de legitimar o abandono e abandonar o mundo em que não se sabe o que a fome é para salvar o mundo que ainda não se conhece.

Isso depende de sermos francos com o nosso ínfimo conhecimento, legitimando nossa burrice que só fala a própria língua. Se não formos sinceros a ponto de saber perguntar “será que o mundo precisa mesmo dessa minha ajuda?”, jamais ouviremos um chamado legítimo do mundo, jamais seremos capazes de entender em que línguas o mundo pede ajuda, jamais saberemos decifrar esse pedido que dura enquanto estiver vivo e que pode estar do seu lado, agora, mais perto do que imagina.

Talvez a grande descoberta, com isso, seja que entendamos que não queremos salvar o mundo e que, mesmo assim, é o que precisamos fazer. É como aprender a falar outra língua. Até entendermos o que nela se é possível dizer queremos falar um monte de coisas da nossa própria. Aprender outra língua é aprender a dizer o que você ainda não disse, o que ainda não quis dizer. Da mesma forma, a ação transformadora vem para fazer o que nunca foi feito, fazendo o que não quisemos fazer.

Por um lado, isso pode parecer um trabalho, "fazer o que não queremos", o que não é mentira, salvar o mundo deve dar trabalho, mas não se resume a isso. Por outro, aponta para um abandono radical do que achamos que queremos, em direção a algo outro, que ainda vamos descobrir. Descobrir como salvar um mundo não conhecido coincidirá com aprender a querer algo jamais querido, como se fosse querer pela primeira vez. E essa talvez seja a grande recompensa, a potência incessante de uma ação movida por um querer que jamais será o mesmo, num mundo que jamais será o mesmo, isto é, a potência de agir pela primeira vez para sempre.