Mas há momentos em que nossas explicações param de nos colocar nesse mundo comum, como se estivéssemos fazendo de um jeito diferente, um jeito que os outros não nos entendem. Nesses momentos, aquele mundo do qual fazíamos parte perde sua realidade e, de repente, a gente se sente estranho, sem saber falar sobre o mundo, sem saber falar sua língua, se sente estrangeiro a ele.
Certamente, alguém poderia dizer com ânimo nessa ocasião: "aí é que é o local produtivo, aí que podemos enfrentar o desabrigo e produzir morada, acolher as diferenças, criar arranjos estranhos, infamiliares e, com eles, se habituar, habitar o mundo".
Quase um hino, a frase. Mas esse "ânimo", por mais compreensivo que pareça, é distante, pouco solidário e indiferente. É o discurso de um patriado falando do estrangeiro "ai como é bom ser estrangeiro!". Nesse caso, o objeto da fala do patriado não é o estrangeiro, mas a si mesmo, o estrangeiro lhe serve somente de apoio momentâneo para sustentar sua posição tranquila no estranho encontro com ele. Ele explica, na língua do mundo do qual faz parte, o estrangeiro.
Enquanto o estrangeiro não tem esse ânimo, nem mesmo o deseja. Ele deseja, na verdade, confiança de que se pode falar com outros estranhos esquecendo o lugar onde se encontram. Constatar que não se sabe onde está, que não é daí, não é animador. É um trabalho de poucas palavras, de difícil explicação. É possível que nenhuma explicação caiba nesse espaço. Talvez seja esse um trabalho impossível e, por isso, sua continuidade dependa da confiança.
Falar do encontro com estranhos é fácil, narcísico. Onde se é entendido, onde se sabe falar é tranquilo falar. Não é daí que será possível acolher o estrangeiro. Para isso o método deverá ser outro.
Marcel Delfino Carvalho de Souza