domingo, 15 de março de 2020

Sobre o escrever

Aqui a gente começa:


Bruno Gomes

Eu deveria estar fazendo qualquer coisa menos isso agora: escrever. As palavras têm uma espécie de cola, e enquanto fazem nossos olhos caminharem deixam rastros e se espalham por novos caminhos. Como gasolina, resina, aqui se adentra ao furo.


A ação de uma palavra é sempre falha, não apenas aos olhos de um ..., mas aos olhos de um falso artista. Eu sempre falho em me fazer límpido, pensar em começar a escrever é um sofrimento, já o ato é como um escarro ou como um espirro preso. Pra mim não sai, e se sai são algumas lágrimas mal choradas pelo nariz. Mas se não exitarmos em construir pontes de palavras, assim como faço agora evitando apagar, e me apagar, talvez sobre algo feio. Algo feio, mas cujo qual dê para os olhos caminharem. Feito, feio.


É simplesmente previsível a capacidade da escrita de quase sempre ser um pavor, uma dificuldade, um entrave. Que experiência é essa que nos coloca frente ao que? Que suposta universalidade desta falha? Acho que se propor a resposta é pretensioso, buscar alcança-lá sabendo que não há fim me da ânimo. O fato de termos optado por fazer isto em grupo é significativo, somos em cinco seres humanos do planeta terra, do planeta de cada um, que compartilham a dificuldade, no meu caso,  de escrever viver e amar. Eu não sei se sei ou não, mas tenho medo. E com vocês que leem ou criam meu medo diminui, ao saber que tem algo que temem também. Andemos sobre essas tábuas feias.




Pedro Misailidis Antonini

(A primeira coisa que fiz antes de iniciar a escrita foi pegar um livro com o título "Palavra e verdade" e deixá-lo ao lado do notebook. Não fiz questão de abrir nem ler uma palavra se quer, mas fiz questão que estivesse ali, enquanto eu escrevi. Quem sabe Isso diga algo.)


Não se pode desdizer o que já foi dito, é a propriedade da língua. Mas pode-se carregar a ilusão de apagar o que foi escrito, e entre temer e tremer diante daquilo que se fala, fico com a falsa escolha de poder apagar o que antes foi feito. Ainda que reste um rastro daquilo que se apaga do que se escreve, ao menos ninguém vê.


Inspirado pelo lapso, que leu, em "exitar", "excitar", a escrita, às vezes, hesita, tanto quanto excita.  Se demora. Também exita. Em mim, quanto mais hesita, mais excita e mais exita. Mas de hesitação em excitação, alguma coisa se forma e se cria.


Mas logo para, e a inspiração, que vinha como enchente, seca.


Logo se mostra que não era sobre exitar, mas sobre hesitar. E novamente como lapso, enquanto escrevo, o exitar se torna evitar. Efeito de um sintoma, é claro. O objetivo da minha escrita não é exitar, mas talvez hesitar e evitar. Quem sabe a partir disso algo se crie, mas por enquanto ficamos com isso.


Por que escrever?




Marcel Delfino Carvalho de Souza

Não tenho achado coisa mais desfalecida do que escrever sobre escrever. Não dá vontade nem de tentar. Talvez seja um compromisso desnecessário que tenho com uma verdade que me deixa assim. Mas, não. A escrita acontece e ela está além do escrever. O "escrever" sobre o qual se escreve, não tem força nenhuma, não é a escrita mesma. 


As vezes, de repente, acontece de escrevermos sobre o escrever. Não é contingente. Também não é uma escolha. É coisa de paixão. Vrau! Voce rasga o papel e fala. Voce não hesita. Voce pula na enchente. O arranjo de madeiras pode ser uma bosta, mas é arranjo, ainda que sofrido-arranjo. Cada prego mal-pregado é testemunho daquilo que foi necessário ser feito. E, de repente, estamos aqui, falei sobre escrever. 


É exatamente disso que se trata. A escrita tem um poder da verdade, porque ela a esconde. Quem é voce pra falar de um segredo desvelado. Veja, não faz nexo: um segredo desvelado, pronto, não vale a pena escrever, pois o segredo já está escrito em algum lugar, vá procurar. Em vez de um compromisso desnecessário com a verdade, eu prefiro dizer que, escrever sobre escrever é um paradoxo desnecessário. 


O "'paradoxo' é o nome que damos à ignorância das causas mais profundas das atitudes humanas...", é o que diz Ecléa Bosi. Assumir a superfície desértica, seca, ensejando água, o que tem mais água na água, é, em suma, fruir a escrita, assumir como verdade a história velada de enchentes que se escondem no deserto... que seja medo de falecer de sede, que seja pura ignorância ou fantasia desmedida, que seja tentativa de se enganar. Bem, talvez seja essa uma boa causa profunda: engano! U
ma causa profunda sobre a escrita do que a escrita é. Então, pode ser que tenhamos encontrado o verdadeiro paradoxo, um paradoxo necessário: escrever por engano.

Nenhum comentário:

Postar um comentário